terça-feira, 31 de julho de 2012

Nem tudo que reluz é ouro Nem tudo que é ouro reluz


Nem tudo que reluz é ouro
Nem tudo que é ouro reluz


Vivian e Roberto estavam casados há quatro anos, não possuíam filhos, mas ainda acreditava-se que reluzia uma breve fagulha de amor. A mulher era publicitária, trabalhava em uma grande agência e dedicava pelo menos 15 horas do seu dia para o ofício tão idolatrado. Já o homem, Betinho, conhecido boêmio das ruas do Bairro Floresta, era formado em letras e poeta por excelência.
Vivi era a razão e Betinho era a emoção nesta comum relação. Quando ela não estava trabalhando queria ficar na sua, sem querer muita badalação. Roberto já era o oposto, dava aulas de português de reforço esporádicas, mas dedicava a maior parte de seu tempo aos amigos, muita prosa regada a tira-gosto e cerveja.
A grande verdade era que o casal não era feliz. Eles mal se encontravam para tentar fazer a relação dar um pouco certo. Betinho era o voado de natureza e Vivian era a ocupada de natureza. Só algo de extraordinário poderia sacudir ou sucumbir esse relacionamento... E aconteceu!
Betinho estava tomando sua cervejinha de duas da tarde com seu amigo Grilo, quando adentra o boteco um casal apaixonado, ela pendurada nele e ele quase engolindo ela. Não se sabia onde começava um e onde se terminava o outro. Aquela visão que causa inveja em qualquer um, sabe? O nosso poeta ficou olhando aquilo maravilhado, mas revoltado:
- Pô, Grilão olha só que paixão!!!
- É Beto, dá até vontade!!!
Roberto ficou calado durante em dez minutos olhando para o casal e observando o retrato da esposa na carteira. Virou um copo de cerveja no gás, sacudiu a poeira e imperou para o amigo:
- Grilo, eu vou correr atrás do que é meu, nesse comodismo amoroso não vivo mais!
E saiu em disparada tropeçando nos carros e cachorros pela rua.
Betinho sai afirmando para si mesmo: “Vou reconquistar minha mulher, faz muito tempo que não vejo aqueles olhinhos loucos de desejo pelo Betão aqui!”
Ele sai como um louco estabelecendo um diálogo entre ele Betinho e o Betão esquecido no passado:
- Vou até a agência daquela princesa, vou atirar todos os papéis no chão e possuir ela dentro da sua sala, fazendo todo mundo morrer de inveja com os gemidos saídos lá de dentro!
Quando já tinha estabelecido o que fazer, com um sorriso bem sacana no rosto, vem à tona o grande problema que o atrapalha a realizar seu fetiche: Onde era a agência de propaganda de sua esposa?
Ela já trabalha nesta agência desde o início do casamento, mas Betinho nunca teve a atenção de saber onde ela se localizava. Ele fica desesperado, não sabe o que fazer, mas como um bom poeta a criatividade bate a sua porta. Roberto pega o número do celular de sua amada em um papelzinho amassado dentro da carteirinha do clube.
- 9912-4536... Espera aí...Isso é um 6 ou um 8...Acho que é...Um....8....9912-4538.
- Mudo a voz, ligo para ela e digo que tenho uma encomenda para lhe entregar, do seu marido...Isso mesmo, boa Betinho! Só que, perdi o endereço passado pelo seu marido e lhe peço a localização de sua agência. Nossa Betinho você é um gênio!
Viaja o louco e lerdo apaixonado.
Betinho todo entusiasmado com sua astúcia, começa a discar de seu próprio celular o número de Vivian:
- 9912-453...Nossa sou uma anta mesmo, se eu discar do meu celular ela vai saber que sou eu!
Nossa como é inteligente!!!
Lá vai a antinha (que perdoem esses animais, que não tem nada haver com a burrice de nosso personagem) (E...burrice...me perdoem os burros também...os animais!) ligar de um telefone público para dar a discrição correta para sua abordagem.
- Alô...
- Alô...Queria falar com a senhora Vivian Lemos, por obsequio? !
- Pois não...É ela....Pode falar!
- Dona Vivian ( Betinho, com uma voz de camelô fanhoso) tenho uma encomenda do senhor Roberto Lemos para a senhora, mas perdi o endereço do seu trabalho...Tem como a senhora me passar?
- Você perdeu o endereço do meu trabalho ou do Roberto...Pois, se for o dele...Ele não é muito chegado nisso não...Aí fica difícil de te passar!
Betinho fica puto da vida, mas se controla:
- Não, eu quero o da senhora, para lhe entregar o presente!
- Então tudo bem...Anota aí rapidinho...Tenho que trabalhar...Você já tomou muito o meu tempo...Rua Pernambuco, 32 sala 1231, Bairro Funcionários, ok?
Nosso herói borrão pensa: “Nossa nem eu sabia que minha Vivi era tão chata!”
- Tudo bem minha senhora...Daqui uns trinta minutos entrego aí!
- Ok.
Desliga o telefone com a frieza de uma navalha!
Betinho era voado, mas ficou encafifado com a geladeira que sua mulher havia se transformado. Esquentou com isso não e, foi para sua empreitada!
Saiu do centro do Bairro Floresta, onde se localizava e rumou a pé mesmo, para o que acreditava ser seu destino. Andou como um condenado no deserto e chegou na portaria do prédio do trabalho de sua esposa. Quando o porteiro lhe perguntou aonde ele ia...Ele raciocinou: “Nossa, eu não comprei nem umas rosas para dar a minha lindinha...”.
Ele perguntou para o porteiro:
- Amigo, onde tem uma floricultura por aqui?
- Uns três quarteirões à frente. Nessa rua mesmo.
- Obrigado.
Como um atleta aposentado, foi-se nosso amigo para comprar as rosas da salvação. Adentrou a floricultura, cheia de diversidade e essência. Indeciso, perguntou para a balconista:
- Qual tipo de flores uma mulher gosta de ganhar?
Nesse instante ele lembrou que não dava flores para sua mulher desde a época que namoravam.
A vendedora respondeu:
- Depende...Eu gosto de rosas amarelas.
- Então...Vão essas aí.
Pegou o buquê e se encaminhou seguro da situação para o destino anterior.
Entrou no prédio, deixou os dados com o porteiro e pegou o elevador que iria o levar a consagração idolatrada.
A campainha dos andares apita 12º, seu coração dispara, estava perto o destino almejado!
- 1201,1212,1216,1226...Nossa, tem sala demais nesse andar...(Todos os andares tinham o mesmo número de salas, mas para ele pouco chegado em prédios...).
- 1231 achei!!!
Uma sala toda cheia das nove horas, cheia de pompa. Ele avista uma moça sentada em uma mesa no fundo:
- Por favor, queria falar com a publicitária Vivian Lemos? !
- Pois não, qual o seu nome?
- Fala que é uma entrega especial e é para ela aguardar em sua sala que eu irei entregar lá!
- Tudo bem...Dona Vivian tem uma entrega especial para a senhora...Não, o rapaz disse que para a senhora aguardar em sua sala que ele vai entregar pessoalmente. Então eu falo...Obrigada.
- Rapaz, ela falou para você deixar a entrega aqui mesmo comigo. Dona Vivian está muito atarefada e não poderá lhe receber!
- Senhorita é muito importante eu ir até lá e fazer essa entrega, me entenda, por favor!
- Sinto muito...Mas ela deu ordens restritas e eu tenho que cumpri-las.
- Vou abrir o jogo com você...Sou marido da Vivian e quero lhe fazer uma surpresa...O que tenho aqui são flores e você vai deixar entrar agora, combinado?
- Tudo bem...Não precisa se exaltar, mas explique a situação para Dona Vivian, senão perco meu emprego!
Assim, Betinho adentra o recinto. A agência era uma verdadeira loucura, telefones tocando ao mesmo tempo de segundo em segundo, mulheres e homens com cara de zumbis, colecionando olheiras ancestrais. Nosso poeta parou e pensou um pouco: “Será que minha Vivi também está nessas condições? Estressada, com cara de morto-vivo? Acho que não, ela tem a mim.”
Doce ilusão!
O momento em que ele abre a porta, com uma placa imponente escrita em letras garrafais, Vivian Lemos Diretora de Marketing, ele vê uma mulher fumando um cigarro compulsivamente e com milhares pela metade no cinzeiro, gritando com um cliente no telefone, com umas olheiras mais destacadas do que as dos seus colegas de serviço, mas com uma fagulha de... Frieza...No olhar.
Sua Vivi o vê e faz sinal com a mão para ele sentar e esperar, ele como um bom cãozinho adestrado, obedece. Ela grita mais um pouquinho com o cliente na linha, fuma mais uns quatro cigarros pelo meio e desliga o telefone. Depois, aborda nosso medrado letrado:
- O que você está fazendo aqui, Betinho?
- Vim te ver, meu amor...
Escondendo as rosas atrás, nas costas.
- Veio me ver...Para quê? Estou muito ocupada, como você próprio pode ver.
Toca o telefone mais uma vez...
- Não quero saber...A campanha tem que ficar pronta até terça-feira...Senão mando você embora e contrato outro para o lugar antes mesmo de você sair do prédio!
Ela desliga e pergunta:
- Onde estávamos mesmo? Ah sim, querido, por favor, vai embora e conversaremos em casa. Estou muito ocupada, beijinho. Já o colocando para fora da sala e imediatamente laçando o telefone.
Betinho, completamente sem fala, tenta balbuciar algo, mas a única coisa que vem é uma lágrima que corta em pedacinhos o seu tolo coração e o faz guardar as flores dentro de seu casaco.
Ele sai do recinto, dá um tchauzinho sem graça para a recepcionista e fica olhando inerte para o botão que chama o elevador. Uma mão suave ultrapassa o seu corpo de obstáculo para a chamada do elevador e tecla o botãozinho para ativar a chegada do carregador de corpos. Ele olha para o lado, promovendo seu primeiro ato de verdadeira ação depois de sua desilusão e vê uma morena de cabelos longos, alta, olhar instigante e com um sorriso ardente nos lábios.
Aí então ele ouve aquela voz que mais parecia uma canção dos Beatles:
- Nossa está quente hoje e esse elevador demora tanto, não acha?
Ele completamente entorpecido com a melodia daquela deusa faz um esforço sobre-humano e consegue falar um condizente: É!!!
Já dentro do elevador a morena com um ar de preocupada questiona:
- Você está bem. Está sentindo alguma coisa? Você está pálido! Vamos parar na garagem, tenho uma maleta de remédios em meu carro.
Sem tempo de responder o elevador os deixa na entrada da garagem e, a diva o conduz pelo braço, como se leva uma criança depois de uma injeção de bezetacil.
Chegando ao carro, ela abre o porta-malas e tira de lá uma delicada maleta lotada de medicamentos mil.
- Sou meio compulsiva com remédios, detesto dor...A não ser aquelas que não machucam, que nos molham e nos fazem ver o paraíso...
Dá uma risadinha sacana...Quase estimulando um orgasmo em ambos.
Ela volta a abordar nosso querido zumbi:
- Você está sentindo o quê? Dor de cabeça, tonteira? É diabético, toma algum remédio controlado?
E nada de Betinho responder. A única coisa que sabia fazer é olhar com uma cara de cachorro pidão para ela.
A morena apela:
- Ô, meu querido...Fala logo o que você tem! Quer saber, vou é embora!
Como se um raio tivesse ativado o seu cérebro, Betinho sai de seu transe:
- Vai embora não...O que tenho é uma tremenda dor no coração!
Ela se desespera:
- Você está tendo um enfarte...Por isso não falou nada...Vou ligar para uma ambulância...
Já pegando o celular...
- Calma, estou bem no aspecto físico... Minha dor se consiste bem internamente...Na alma.
Sem esperar reação da linda morena, nosso galante olhou bem nos olhos daquela deusa carinhosa e lhe lascou um beijo mais do que de novela, que arrancou suspiros até do mais frio dos espectadores.
Esse beijo ligou o motorzinho do amor e do prazer nos dois e, naquele chão de garagem se iniciou a mais ardente concepção de paixão, que nenhum dos amantes envolvidos poderia esperar àquela altura de um campeonato repleto de novas e loucas emoções.
Depois de uma libertação de almas e gozos, nosso poeta renovado abre o casaco e pergunta:
- Você gosta de rosas amarelas ???
MARCELO G. DOS SANTOS
PAIXÃO, GOL & ROCK N’ROLL
27/10/2003

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